sexta-feira, 29 de julho de 2011

Aleluia, irmão!

Afinal, deus, quem é você? Onde você está? Qual sua função? Posso lhe chamar de "você"? Você... existe?
Esses questionamentos são muito comuns, principalmente naqueles que não tiveram uma cultura religiosa muito definida - como eu. Sempre fui criado na igreja católica. Fui forçado a fazer dois anos de catequese para, posteriormente, ingressar definitivamente na religião católica por meio da primeira comunhão. Porém as doutrinas católicas sempre andaram na contra-mão com minha forma de pensar e com os aprendizados que a própria vida me proporcionou. Além disso, nas aulinhas de história, pude perceber o quão manipuladora essa igreja já foi no passado - e ainda o é no presente.

Mas, mesmo assim, sempre fui muito espiritual. Creio que a fé é importante e necessária para qualquer ser humano. Por isso, procurei outras religiões às quais tentei me adaptar. Não deu certo. Fui a uns 4 tipos de igrejas protestantes. Assisti a cultos, leituras da palavra, sessões de descarrego, pregações. O protestantismo é muito parecido com o catolicismo - porém mais fervoroso e sensacionalista. Lembro-me de um episódio no qual fui à igreja universal e durante todo o culto o pastor olhava para mim e dizia que o diabo estava presente naquela tarde. Será por causa da minha camiseta vermelha com uma estampa de um portal pegando fogo? Enfim...

Já fui também a cultos espíritas. Confesso que não sei muito o que se enquadra no "espiritismo". Mas já fui a centros kardecistas e umbandistas... serve? Confesso, também, que se a escolha por uma religião fosse obrigatória, escolheria por uma delas. Mas, graças a deus - risos - não é.

Considero as religiões uma forma de manipulação do pensamento humano. E creio que para ter fé não é necessário se deslocar de sua própria casa para encontrar um bando de pessoas gritando "aleluia" ou cantando alguma música esotérica. Deus, se realmente existe, deve estar presente em todo e qualquer lugar, aguardando sua oração, seu agradecimento, seu pedido. Aliás, se deus existe, ele não deve subjulgar um ser humano pela forma de vida que ele leva. Afinal, não somos todos filhos dele e, consequentemente, irmãos? Na verdade, o que mais me irrita nessas religiões é justamente a predeterminação de como deverá ser sua vida para, na morte, alcançar o "paraíso". Não há lógica nisso.

"Mulheres, usem saias que vocês irão ao céu". "Homens, deem 10% do salário de vocês que a graça será alcançada". "Mulheres, não abortem de forma alguma porque, senão, o inferno é garantido." "Camisinha? Nem pensar." "Gays? A forma mascarada do diabo." "Prostitutas? Meras infelizes que tem o inferno como destino certo." "Drogados? Não valorizam a vida terrena, então não terão vida espiritual agradável." ...

O problema das religiões é que há nela o homem. E o homem não é perfeito. O homem tem pensamentos pré-conceituados. O homem tem opinião própria. O homem interpreta a bíblia, ou outros livros sagrados, à sua maneira. O homem não é deus.

Infinitamente mais necessário do que seguir uma religião, é seguir seus próprios ideais, suas próprias vontades. Crer naquilo que se quiser, naquilo que te dê mais confiança, segurança e felicidade é uma forma linda e pura de fé. Como diria Machado de Assis...
"Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento."

domingo, 24 de julho de 2011

Go to rehab? No, no, no.

A pele branca e maltratada. Algumas veias já saltavam. Uma mulher envelhecida pela própria juventude libertina. Dona de um corpo minguado, sem graça, sem vida. Apenas ossos e pele compunham aquela figura paradoxalmente majestosa. A coroa, seu cabelo. Fios e mais fios dentro de um penteado único, algo um pouco retrô, um pouco moderno. Amy Winehouse era assim, única. Não seguia tendências, não se adequava ao mundo, não se adaptava à vida. Era dona de uma voz impecavelmente forte, em contrapartida com seu corpo fraco.



A primeira vez que ouvi sua voz foi ao som de Rehab. Fiz, em minha cabeça, a imagem de uma negra, gorda, grande, forte, bela, com a pele lisa e um grande e branco sorriso no rosto. Aquela música era viciante, passava dias e dias a fio repetindo as palavras com minha voz de taquara rachada. Até que resolvi procurar na internet os clipes da Amy Winehouse que, até então, desconhecia. Impressionei-me ao vê-la pequenina, branquinha, toda esquisita. Sua voz me arrepiava - e ainda me arrepia. É algo que mexe com meu interior, me tira de mim, me faz viajar em um sonho de águas mansas em volta de um maremoto.

Amy era usuária de drogas. Por vezes chegou a ser internada em clínicas de reabilitação. Por vezes se apresentou em seus shows em estado deplorável, consumida pelo ácool e pelas drogas. Por vezes nem conseguiu subir ao palco, por volta do qual fãs enlouquecidos se decepcionavam. Agora eu consigo entender o porquê daquele corpo franzino, aquele rosto sofrido, aquela veia gritando em seu corpo. Amy era dona de um talento inigualável, tinha uma voz única, digno de uma verdadeira diva. A sua libertinagem a tornou uma antidiva. Seu talento foi disperdiçado, e hoje temos apenas algumas músicas gravadas com sua voz. Digo apenas algumas porque, aos 27 anos, Amy Winehouse cansou de viver. Cansou de se drogar, cansou de decepcionar seus fãs, cansou de tentar. Morreu em sua casa, deixando um legado musical maravilhoso, porém curto.

Eu acredito que, onde quer que ela esteja, alguém deve perguntar a ela: "E aí, Amy. Aprendeu a lição? Vai voltar ou não pra rehab?"
E ela, assertivamente, responderá: "Go to rehab? No, no, no."

Um adeus definitivo à mulher que adiou a morte. Um adeus à mulher que emprestou sua alma à música em troca de absolutamente nada. Um adeus a uma pequena parte da música, que também cedeu sua alma a uma mulher que não só viveu, mas viveu morrendo.


terça-feira, 19 de julho de 2011

Agradecimento especial.

Obrigado.

Começo o texto de hoje com um agradecimento. Agradeço a você, que está lendo, por ser meu amigo, por fazer parte da minha insignificante vida. Insignificante, sim. Afinal, são mais de 6 bilhões de vidas humanas distribuídas em uma imensidão chamada Planeta Terra. Por que, raios, você me proporciona sua amizade? Eu fui um dos seus poucos escolhidos para receber tamanha gratificação? Sinto-me honrado. Afinal, ter um amigo igual a você é como presenciar o nascer do sol em um dia frio de inverno. Revigora, desperta o riso bom na alma. Obrigado, amigo, obrigado. Você que já me ouviu tantas vezes reclamando, xingando, chorando, e mesmo assim, me aguenta. Enfrenta minha lágrima salgada com seu doce sorriso. Ajuda-me a enfrentar os obstáculos da vida com tamanha facilidade que nem consigo mais classificá-los como obstáculos. Como não amar você? Como não agradecê-lo por tanta coisa boa que já me proporcionou? Desculpa se minha melhor maneira de retribuir a essa amizade seja por meio de poucas palavras desfiguradas. Sei que você merece mais, sei disso. Mas não esqueça, essas palavras estão sendo escritas com meu coração. É ele quem está na ponta dos dedos me fazendo escrever. E, de coração, vos digo - novamente: obrigado!

Amo vocês incondicionalmente.
Feliz dia do amigo 20/07/2011

domingo, 17 de julho de 2011

No açougue, só dá Lady Gaga

Quando a sexta-feira chega, é quase unânime o pensamento: hoje é dia de balada. O trabalho parece durar a eternidade, e se alguém estuda à noite, as palavras do professor soam como "tutz tutz", fazendo um prenúncio do que será a noite. Pronto. Fim de expediente. Agora, é só ir para casa se produzir e contactar os amigos: a festa vai começar!

As meninas começam pela roupa. Levam hoooras para decidir entre um Scarpin preto ou um vermelho. A roupa não pode ser repetida. Metodicamente, como a escolha de um nome para uma criança recém nascida, avaliam fio a fio todas as blusinhas, vestidinhos e mais outros inhos e inhas que possuem para o autoenfeite. A maquiagem deve estar impecável, claro. E o cabelo, então? Horas e horas de muito secador, muita chapinha e muita paciência. Algumas joias - ou bijouterias - para finalizar a produção. Estão prontas para se afundarem nas surpresas noturnas. Os meninos são um pouco mais práticos. Um belo banho, um tapa no cabelo. Uma roupa de marca, de preferência com aquele famoso jacarezinho em destaque na tradicional camisa polo, ou uma camisa xadrez com as mangas dobradas. Um jeans confortável. Um tênis da moda. Muito e muito perfume. Pronto, já estão totalmente finalizados, também.

Essa preocupação toda com a aparência está diretamente ligada à função das pessoas em uma balada: serem carnes expostas em um açougue. Sim. No açougue, o açougueiro expõem no balcão seus melhores pedaços de carne. Costela, picanha, alcatra, maminha e outros tipos, de melhores qualidade e aparência, são penduradas em ganchos de metal no alto para melhor visualização do freguês. Assim, a clientela terá um vislumbre de toda a mercadoria exposta e degustará as carnes, primeiramente, com os olhos. É assim que uma balada funciona. Nós, as peças de carne, nos expomos em nossas melhores condições para os outros da festa. Estes, que chegam a ficar com saliva na boca e outros líquidos em regiões pubianas do corpo, vislumbram toda aquela "carne fresquinha" para poder "jantar" depois. Na verdade, todos ali são mercadorias e clientes.

É raro encontrar alguém que vá a uma balada somente para ouvir Lady Gaga - ou outra cantora da preferência do leitor - e se divertir com os amigos. Assim como ninguém vai a um açougue para se divertir. Ambos são lugares de se vislumbrar a carne, de desejá-la, de comê-la com os olhos - e depois degustá-la com a boca.

Em minha humilde opinião, o ser humano chegou a um nível nunca dantes alcançado: o de se igualar à carne de açougue. Hoje vou ser uma picanha? Ou que tal uma maminha? Afinal, até quando iremos nos comportar como meros pedaços de carnes à espera do freguês certo? Até quando iremos nos arrumar e nos empetecar de sapatos, bolsas, perfumes, brincos, roupas de marca, para ficarmos expostos num balcão? A função da balada deveria ser a diversão. Amigos e amigas dançando ridiculamente. Divertindo-se extrapoladamente. Claro que um beijo, uma troca de olhares, uma pegação mais quente podem ser considerados normais. Mas isso deveria ser a exceção, e não a regra. O problema é que o freguês também é carne. O freguês também tem a mesma função primitiva que a sua. E me parece que a única esperança de um típico baladeiro, ao invés de querer encontrar diversão e boas risadas numa balada, é que a carne que o escolha seja tão boa ou melhor quanto a que ele próprio pode oferecer.

sábado, 16 de julho de 2011

10 segundos de reflexão sobre o amor.

Certa vez eu estava voltando de um barzinho com alguns poucos - e bons - amigos no metrô. Estávamos felizes, libertos, um pouco alcoolizados pela noite quente e sedutora que se desabrochava. O papo tinha altos e baixos, razões e devaneios, amores e desamores. "Depois que meu ex me chifrou, nunca mais quero amar de novo". Alguém lançou essa. Eu parei, baixei a cabeça, fiz minha reflexão de dez segundos, e segui com o papo que levávamos. Segui, mas não com a mesma felicidade de antes. O sorriso em meu rosto provavelmente transmitia algo de preocupante. Meus olhos já não brilhavam de empolgação, mas de um tantinho de lágrima que começava a se formar. Agora, faço questão de transmitir, por meio das palavras, aqueles dez segundos intermináveis e complexos de reflexão.

"Depois que meu ex me chifrou, nunca mais quero amar de novo."

1 - O termo chifrar é muito triste. A traição é algo dolorosa, que consome nosso estado de espírito. Trair significa o mais alto nível de desamor e desrespeito que pode haver por alguém. Significa que todo aquele amor, aquele tesão, aquele carinho que você recebia de alguém está sendo transmitido a outra pessoa, a outro corpo. Significa que todas aquelas promessas feitas em uma troca de olhares foram rompidas, como a uma corrente que, aparentemente de ferro, se quebra ao meio revelando sua verdadeira constituição fraca e opaca. Não consigo compreender o motivo da traição, o motivo da quebra de promessas silenciosas.

2 - A palavra nunca também é muito forte. Tem um poder de privação inigualável. Nunca é nunca, e não tem meio termo. Como seria possível nunca amar novamente? Nunca mais sentir aquele friozinho na barriga ao se aproximar de alguém? Nunca mais se envergonhar por ter sido visto dançando ridiculamente por alguém? Nunca mais ouvir "eu te quero pra sempre"? Amar é quase sinônimo de viver. Aquele que não ama, não vive. Amar é degustar, é observar, é sentir, é não ter medo.

3 - Fiquei triste pelo depoimento infeliz da pessoa. Isso só mostra que as pessoas se baseiam em relacionamentos passados para construírem - ou deixarem de construir - relacionamentos futuros. E acaba ficando assim, sem envolvimento, sem paixão, sem alma. Não querer amar é ter medo. De ser "chifrado" novamente? Pode ser. Mas sem se permitir amar, nunca saberá se aquele frio na barriga, se aquela vergonha pela dança ridícula, ou se a voz ecoando no ouvido "eu te quero para sempre" serão novamente fatos verdadeiros ou não. E ficará assim, na dúvida, no "chove não molha".

4 - Essa pessoa que me desculpe, mas sou 100% contrário a sua opinião. Eu não quero ficar na dúvida. Eu me permito amar. Eu me permito usufruir de todas as sensações, boas ou ruins, que o amor me dá. Eu constituo minha vida pelo amor. Eu amo sem medos, sem mais nem menos. Eu vivo o amor.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Por enquanto, sou pneu.

Estou com a sensação de vazio, de que algo está me faltando. Estou igual a um pneu, para cujo funcionamento não lhe falta nada, mas ainda assim há nele um buraco. Não me falta nada. Estou feliz, tenho uma família ótima, amigos especiais, amor para dar e vender. De certa forma, aquele que olha de fora para mim, pensa "poxa, que garoto feliz, completo, com o futuro nas mãos". Que nada! Sou uma falsa imagem que transparece aos outros algo que os olhos dos outros querem ver. Sou exatamente aquilo que você espera ver em mim, mas que não sou. Só eu sei o que sou - frase em contradição com o que foi escrito no início do texto, em que digo que algo está me faltando. Se me conhecesse milimetricamente, saberia o que é tal coisa que foge do meu controle, do meu corpo, do meu sentir. Mas não sei. Desconheço-me da mesma forma que você acha que me conhece. Na verdade, me conheço tão superficialmente... Da mesma forma que sei que tenho pintas no corpo, mas nunca, jamais conseguirei saber o lugar exato e a quantidade exata delas. Faço-me confuso? Encurto: não me conheço; você não sabe que não me conhece; falta algo em mim para que eu possa me conhecer. Acho que vou me afundar naquele tal vazio que se espalha pela minha alma. Quem sabe, na ânsia de encontrar algo de mim, me afundo mais ainda naquilo que chamamos de "eu"? E seria positivo, pois quanto mais me afundo em mim, mais me permito procurar por aquilo que me completa, aquilo que me preencha. Acho que falta isso. Eu olhar para mim, eu entrar em mim, eu pegar em mim, eu sentir a mim. Mim, mim, mim. Um egocentrismo necessário para que eu possa me conhecer e, finalmente, apresentar minha versão nua e crua de mim ao mundo.

domingo, 10 de julho de 2011

A vida na morte.

"Garota de 12 anos se mata para ter os órgãos doados ao pai e ao irmão, mas acaba cremada."

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/07/08/garota-de-12-anos-se-mata-para-ter-orgaos-doados-ao-pai-e-ao-irmao-mas-acaba-cremada.jhtm

Muitos devem sentir que o incrível desta notícia é o suicídio em vão da menina de 12 anos que pretendia doar seus próprios órgãos a seus entes queridos. Para mim, não. O impressionante é, justamente, a intenção da menina. Como alguém tem a sensibilidade tremenda de se privar da vida para ajudar alguém amado? Da onde ela tirou forças para excluir toda uma história que estava prestes a ser escrita? Na verdade, creio que a história dessa menina irá perdurar por muitos e muitos anos no coração de seus familiares - e em nossos corações.

Não estou dizendo que agora todos deveremos nos matar para poder ajudar alguém. Mas ao menos nos disponibilizarmos mais a quem necessita. Ela disponibilizou a vida. E nós? O que nós podemos sacrificar de nós para poder ajudar o outro? Que tal começar pelo orgulho? Sacrifica teu orgulho. Ele te sacrifica um pouco a cada dia. Ele te usa em prol de tuas vaidades e teus desejos. Teus desejos são importantes? E como são! Mas aprenda a ver o desejo do outro, o desejo daquele que tem menos facilidade em concretizá-lo.

Sou muito grato a esta garota. Eu tenho certeza de que não morreu em vão. Morreu para nos ensinar. Morreu para exaltar o amor, a esperança, e até a vida! Mesmo que seus órgãos não tenham sido utilizados da maneira que desejava, sua intenção fez prosperar o amor de seu pai e de seu irmão. E não há saúde que compense o amor que, neste momento, seus pais e seu irmão estão sentindo por você. Onde quer que você esteja, obrigado.

sábado, 9 de julho de 2011

A vontade da vontade.

Já passam das 2 horas da manhã. O sono ainda não veio me visitar. Ele costuma aparecer antes, mas ainda não deu sinal de vida. Sendo assim, me ponho à frente do computador para conversar... comigo mesmo?!
"Olá, Maurício. Como tem passado?"
Estou triste. Tenho andado desesperançoso, sem vontade de dar um passo à frente. Coragem eu tenho, só não tenho motivos para dar esse passo. Sabe como é? Essas indecisões que surgem em nossas vidas... O que fazer? Para onde ir? Qual caminho escolher? Eu tenho um leque de oportunidades, mas todas estão restritas à minha indecisão, à minha falta de vontade em optar. Optar é algo difícil. Ganha-se aqui, mas se perde ali. E eu não sei se os ganhos compensarão as perdas. Quero voltar. Quero dar um passo atrás, mas não posso. Não depois de tudo o que já caminhei até hoje. Não seria justo com meu futuro. Não seria justo com o meu sofrimento do passado. Tanto sangue minha alma derramou para que hoje o sorriso pudesse brotar espontaneamente em meu rosto. Não posso sacrificar meu sorriso. Ele é puro e me é benéfico. Retroceder seria dar forças aos meus medos extintos. E eu não quero mais sentir medo. Não quero ter a terrível sensação de que sei o que tenho que fazer, mas não faço. O contrário já me é (quase) insuportável atualmente. Sei que digo essas palavras sem nexo, sem sentido, sem coerência. E afinal o que é um ser humano sem destino? É alguém sem nexo, sem sentido, sem coerência. Não me culpo pelas palavras desprezíveis lançadas até o momento. Não me culpo porque não me faço sentido. Não me tenho como meu. Sou do mundo. Estou à mercê da vontade alheia. Minha vontade... que vontade? Eu não tenho vontades. Estou sem desejos. Ou melhor, com apenas um. Tenho vontade de ter vontade. Seria um começo?

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A mulher não-mulher.


Calça social. Camisa social. Gravata. Paletó. Sapato. Cinco ingredientes fundamentais ao meu típico dia de trabalho. Saio de casa muito bem vestido, com o nariz lá em cima e a alma lá embaixo. "Mais um burguês", deve ser o cumprimento pensante da mulher da limpeza do condomínio onde moro, devolvendo meu tradicional "bom dia". E a minha suposição do que seria o pensamento dela não está errada. Compro roupas legais, como em restaurantes bons, saio aos fins de semana. Sou um burguês. Não posso negar. Já estou inserido, e sempre estive, no mundo capitalista-consumista-ista-ista-ista.

O fato é que ainda não estou acostumado com a ideia de que nem todos desfrutam de uma vida economicamente "tranquila" como a minha - excetuando-se as contas a pagar, claro. E por isso, sou pego de surpresas diariamente.

O local onde trabalho, em frente à estação de metrô Santa Cecília, é repleto de moradores de rua. Lembro-me perfeitamente do rosto de oito que sempre estão lá - tem mais, mas me recordo desses. Maltrapilhos, sujos pela vulgaridade e pela indiferença com que são tratados. Exprimem no rosto uma felicidade ensandecidamente sofrida. Riem de tudo, esbravejam por nada. Nunca choram.

Dentre os oito de que me lembro, uma única mulher. Os dentes podres brotam de sua boca sem risos. Seus cabelos maltratados emergem de um corpo forte, vacinado contra qualquer tipo de ameaça ou ação desconsertante. Cicatrizes pelo corpo de uma vida sem vida. Uma mulher não-mulher. Uma Vênus para os mendigos restantes. Uma mendiga restante para todos os outros.

Certa vez eu, todo cheio de mim por trás do paletó, fumava meu tradicional cigarro na praça em frente ao local do meu trabalho. Era dez horas da manhã, a temperatura abaixo dos quinze graus. Mesmo com o paletó quentinho, o frio eriçava os pelos do meu corpo. A mulher não-mulher passou por mim. “Me dá um cigarro?”, sua voz rouca me lançou. Meu tradicional “não tenho” a fez ir embora. Não tão embora. A dez metros de mim, encostada no muro que separa uma igreja católica do mundo profano, ela, sem pudores – e pra quê pudores? – abaixou suas calças e urinou deliberadamente. A urina corria ao chão como uma faca correu à minha soberba.

Ela não sentia frio? Nem constrangimento? Não. O problema é justamente este. Ela já não sente.

Meu paletó não teria me permitido urinar na frente dos outros no meio de uma praça. Agarrei-me a ele como um guerreiro se agarra a seu escudo na hora de combate. Sentia-me, com ele, protegido. Como se ele fosse uma vacina antiviral, e o vírus, a atitude da  mulher não-mulher. Por ter sentido isso, por ter agido assim, me envergonho. Prejulguei aquela criatura como criatura que é. Porém, por trás disso, há um ser humano. Por trás da criatura que urina ao chão na frente de outrem, há um ser humano. Da forma mais animalesca possível mas, mesmo assim, humana.

Não posso mais esperar que todos urinem em vasos sanitários. Não quero ter a doce ilusão de que, para defecar, todos se sentam a uma tampa arredondada com um buraco no meio. Pessoas cagam e mijam no chão, na praça, na rua. É uma triste realidade com a qual devo aprender a lidar. Meu paletó não pode ter uma sujeirinha, mas a mendiga maltrapilha pode ter todo um corpo sujo pela vida? Não quero admitir. Não consigo compreender a maldade do mundo contra aquela criatura. O mundo fez de mim um homem e, dela, um animal?

Não quero mais meu paletó. Não quero mais minha armadura contra as verdades que circulam por mim. Poderia ser eu, ali, na situação mais íntima e desconfortante possível. Não vou usar meu paletó como uma desculpa de que estou imune a situações como esta. Agora, tenho nojo dele, e não dela, em uma terrível sensação de arrependimento por um dia ter julgado um objeto mais importante que um ser humano.

sábado, 2 de julho de 2011

O medo e as vadias

E há pouco eu falava sobre o medo, no post anterior. É drástico viver numa sociedade em que muito pouco nos é oferecido além do medo. Sim. Estamos cercados por ordens, imposições e tendências que determinam nosso modo de viver. E arrisque sair do eixo. Arrisque-se afrontar com aquilo que, para você, não é significativo mas, para a sociedade, representa a própria vida. Dá medo. O medo, em certas ocasiões, é importante. Você deve enfrentá-lo. Sempre. Mas com muita cautela e sabedoria. O medo nos deixa com um pé atrás, pronto para sair correndo se for necessário. Devemos "matar" o medo, mas devemos nos aproveitar de sua alma. Afinal, aqui falamos de enfrentar toda uma sociedade. Toda uma moral que vem sendo arquitetada há séculos e séculos a fio. Não é fácil. Há muita luta, perseverança e consciência para enfrentar a forma de pensar do mundo em que vivemos. Mudar o sistema? É possível. Mas a longo prazo. Algo que foi formado durante anos não será transformado da noite para o dia. Muito menos por apenas uma pessoa. O medo atrapalharia essa possível transformação. Mas sua alma dará segurança para que essa mudança seja efetuada com sucesso.

Essa pequena reflexão foi constituída para introduzir o tópico abaixo, ao qual devemos nos atentar.

Marcha das vadias
 A "Marcha das vadias" acontece em vários países, inclusive no Brasil. Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Florianópolis, Juiz de Fora, Recife, Fortaleza, Porto Alegre e Natal são cidades em que a marcha já deu o ar de sua graça. Esse fim de semana foi a vez da cidade maravilhosa. O Rio de Janeiro recebeu neste sábado (2) a marcha das vadias. Cerca de 300 pessoas participaram do evento, em prol do combate à violência sexual e às agressões cometidas contra as mulheres.
Esta marcha entra em meu tópico para mostrar o quão forte é o tal sexo frágil. Em busca de respeito, as mulheres saíram às ruas na marcha das vadias para terem voz em suas bocas, tapadas pelas mãos de toda a sociedade que, em geral, trata as mulheres como minoria. Recebem salários mais baixos, são vistas como prostitutas quando traem seus parceiros (as que usam roupas mais curtas e justas, também) e o pior: quando são agredidas por seus maridos, grande parte da sociedade não acha anormal. Ou até acha, mas vê o marido no direito de fazer isso, já que o casamento é visto como um contrato de suserania e vassalagem, e não uma declaração mútua de amor. A marcha das vadias é contra tudo isso. E é organizado, majoritariamente, por mulheres, cujas vidas já estão saturadas de tanta ignorância. E essas mulheres tiveram que fazer uma coisa antes de organizar a marcha: vencer o medo! Outras continuam em suas casas, tendo suas vidas - não de mulher - de vassalas. De seres subordinados a outros. As mulheres que foram à marcha são mulheres. Nem vadias, nem santas. Nem vassalas, nem suseranas. Nem oprimidas, nem opressoras. Mulheres, na mais óbvia definição do termo. Por isso, tiro meu chapéu a elas. Tiro meu chapéu à coragem delas. Estão lutando contra um patriarcalismo ridículo herdado do Brasil COLÔNIA. Eu disse colônia! Isso foi há 500 anos. E rastros desse tempo obscuro continuarem nos dias de hoje é algo inaceitável. Parabéns mulheres que são mulheres. Admiro-as muito e estou do lado de vocês nessa luta acirrada contra 500 anos de história. 500 anos de medo!