quinta-feira, 30 de junho de 2011

Hoje sou um assassino.

Era agosto de 2007, minha volta às aulas no segundo semestre do segundo ano do ensino médio. Eu estava aflito. O suor me corria pelas mãos e pela testa, que já brilhava. A temperatura ambiente era agradável. A interna, um caldeirão. Apertei o botão "T" (térreo) do elevador, e esperei. Que viagem eterna fez aquela geringonça! Os números digitais que descresciam conforme a queda do elevador se fixaram em minha retina, como aqueles filmes Hollywoodianos que, mesmo inúteis, nos aprisionam na fantasia. E a minha fantasia era a de que o elevador parasse e eu tivesse uma desculpa para não ir à escola. Desejo em vão. A porta do elevador se abriu, e meu caminho se encurtou. Um passo incerto, e lá fui eu.

Do portão de entrada do prédio ao ponto de ônibus, fixei apenas nos meus pés que desobedeciam totalmente o que a gota de suor que escorria pela nuca tentava gritar. "Volta, volta!! Você nunca pegou um ônibus na vida, você nunca teve liberdade para sair de casa sozinho. Você vai se dar mal!"

...Não sei dizer se nunca tive liberdade, ou se nunca havia lutado por ela. O fato é que, para ir à escola, meus pais me levavam ou pagavam vans escolares para isso. Era muito cômodo para mim. Mas a partir daquele dia minha vida mudou. Ah, e como mudou!...

Continuei meu caminho ao ponto de ônibus. Extremamente atormentado. Se alguém me chamasse naquele momento, com certeza não responderia. Eu não estava em mim. Nem sabia quem eu era. A única coisa que tinha em mente era "acene para o ônibus 601 ou 651, Praia da Costa, e peça para o cobrador avisar quando chegar em frente ao Colégio Darwin". Era um script minuciosamente decorado, como se eu fosse encenar alguma peça de Shakespeare. Eu era um péssimo ator!

Cheguei ao ponto de ônibus e dei uma boa olhada para tentar reconhecer alguém. Ninguém. Apenas eu e meu medo. Eu e minha liberdade maldita! Por que não bati o pé e exigi que continuassem pagando o Sr. Edson da van para me levar todos os dias à escola? Burro. Me xinguei de todos os palavrões inimagináveis.

Mas não adiantava mais. Lá vinha ele. Todo azul, imponente. Sua cara era ameaçadora, quase que dizendo "você vai entrar, mas não sei se vai sair". Era o 601 Praia da Costa. Com sobrenome e tudo! Acenei, o braço trêmulo. O bicho papão parou em minha frente. Aquele passo para entrar no ônibus foi uma luta interna impossível de descrever com palavras. Mas que besteira, Maurício! Um rapagão de quase 16 anos com medo de pegar um ônibus?, vocês devem estar pensando. Sim. Medo de não ter certeza do que vai acontecer. Medo de não ter certeza da onde vou parar. Para alguém que sempre teve certeza e segurança de todo o passo que iria dar, pegar um ônibus pela primeira vez era uma aventura no deserto.

Entrei. Dei dois reais ao cobrador, que me devolveu algumas moedas de cujo valor não me lembro. Perguntei onde ficava o Colégio Charles Darwin. "No ponto final, fique tranquilo." Tranquilo? Quase o mandei à merda, mas me lembrei de que a merda já estava lá. A merda era meu medo. E quem estava nela era eu, chafurdado naquela pasta mal-cheirosa da mente.

Sentei-me na última poltrona. Quieto. Frio. Ofegante. Onde vai parar? Alguém que conheço vai me ver nessa situação? Chegarei na escola? Peguei o ônibus certo? O cobrador está me enganando? Se aquele viado filho da puta mentiu pra mim, eu armo um barraco! Pensamentos de uma mente tão fechada no próprio mundo que agora me deu vontade de rir. Naquela hora o riso me seria desconcertante. Provavelmente riria igual a um louco.
A viagem foi muito normal. A normalidade excessiva dela me assustava. Era para ser algo tão inovador, tão aterrorizante, tão tão tão... Foi normal. Apenas. Cheguei ao ponto final, todos desceram. Eu fui o último, e do ponto final já conseguia avistar minha escola. Então era isso? Esse medo todo por ter liberdade? Por que a liberdade me assustava tanto?

A verdade é que venci o medo. Venci, e adorei ter vencido. Como era boa a sensação. Enfiei uma faca no estômago do medo, que sangrava ininterrupto. E eu adorei tê-lo visto sangrar. Morrer. O medo morreu, a liberdade nasceu. O que fazer com a liberdade? Vou pegar mais ônibus! Vou parar em lugares desconhecidos, eu pensei. Queria explorar mais minha liberdade, para poder matar mais e mais medos que eu tinha. Tornei-me, naquele dia, um serial killer. Venho matando, desde então, todos os medos que tenho. Vê-los sangrar e padecer é algo glorioso para mim. Mas, para isso, preciso afiar meus facões. Estou sempre afiando. Sempre preparado para destroçar qualquer outro bicho papão que apareça em minha vida. E é assim que deve ser.

"Cobrador, me avise quando chegar no ponto da liberdade ilimitada, por favor."

O pouco inteiro do blog

Por vezes iniciei um blog. Esse já é meu quinto ou sexto. Escrevia durante duas, três semanas. Depois largava, por medo. Voltava a escrever esporadicamente, vez ou outra. Mas essa semana duas pessoas me deram um tapa na cara. Um em cada bochecha. "Acorda, Maurício." Ambos me gritaram. E eu acordei. Resolvi encarar o medo das letras, o medo dos olhares sobre as letras, o medo dos pensamentos dos olhares sobre as letras. Sobre as MINHAS letras, que em conjunto formam ideias, sentimentos. Formam o Maurício. Acho que era isso. O medo de as letras me divulgarem, me exporem, me sujarem. Mas me livrei do medo. Sinto que a crítica daqueles olhares, por ora tenebrosos, tornaram-se incentivos. Tornaram-se "UHUL, VAI LÁ!". Agora eu quero me divulgar, eu preciso me divulgar. Nem que seja apenas o pouco inteiro de mim.


Agradecimento especial à Juliana Olivieri e à Eliane Brum.