domingo, 27 de maio de 2012

Prazer cortante

Pode ser mais uma decepção para a minha coleção. Pode ser mais uma ilusão, daquela que nos deixa desnorteado, a ponto de nos fazer querer desistir de tudo, menos da incerteza. Mas ah... eu gosto de desafios! Eu gosto do duvidoso. Já não quero mais pisar sobre chão firme, sem distorções. Agora, quero andar descalço, com os olhos vendados, em meio à terra fresca. Quero sentir o calor do chão misterioso pelo qual estou passando. E se nele houver cacos de vidro, foda-se! O que importa é que eu sentirei... eu sentirei o vidro cortando a minha carne, abrindo um pedaço de mim e deixando correr meu sangue. Pode doer, pode me causar náuseas, de tanta dor que esse vidro me causará... mas, ao menos, eu sentirei. E, nessa vida, nada vale apena se não for para ser sentido, para ser sangrado. Depois do sangue jorrado, ainda há vida. O sangue se renova, a vida se renova... e o sentimento, também. Converter-se-á tudo o que foi sentido por meio da dor em experiência para que, nesse novo sentir, também caiba espaço para o prazer.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Minha primeira entrevista: "Cada um vive o que quer e ponto."

A neuropsicóloga Mirian Malatesta Reis conta como a homofobia é encarada pela Psicologia e diz como a sociedade reage à diversidade sexual.


A homofobia é uma realidade no Brasil e não pode ser ignorada. Descobrir o motivo pelo qual algumas pessoas desenvolvem certa aversão à homossexualidade é uma tarefa árdua da psicologia. A neuropsicóloga Mirian Malatesta Reis me recebeu em seu consultório, no bairro de Moema, em São Paulo, para explicar qual o papel da Psicologia no enfrentamento à homofobia.  Além disso, fez uma crítica severa às fontes midiáticas que propagam por meio dos meios de comunicação imagens deturpadas dos homossexuais: “Isso é uma discriminação e ninguém percebe. Não consigo entender como os homossexuais permitem que isso aconteça.” A neuropsicóloga também se mostrou indignada com o uso da religião para impor o que é certo e errado ao homossexual.


Na opinião da senhora, qual é o papel da Psicologia no enfrentamento à homofobia?
A realização de terapias individuais não permite um enfrentamento à homofobia em escala social. Para haver de fato um enfrentamento à prática homofóbica, deve existir uma conscientização de toda a sociedade. As pessoas devem ter em mente que todos nós temos fobias, temos medos, temos aversões a algo. Cabe a cada um de nós saber administrar esse sentimento de repulsa sem interferir na vida do outro. Acredito que a Psicologia não tem forte influência no que diz respeito ao enfrentamento à prática homofóbica. Mas a sociedade de modo geral tem.

No campo acadêmico, como a Psicologia se posiciona quanto à diversidade sexual e à homofobia? Essa ciência assume alguma postura?
Não. A Psicologia não tem um posicionamento definitivo. A pessoa que procura um especialista é tratada dentro do conteúdo dela. Ou seja, dentre nós da área da Psicologia há uma imparcialidade. Não levantamos bandeiras, mas buscamos conscientizar as pessoas de que somos diferentes em todos os âmbitos. E isso é ótimo! Um homofóbico não precisa pedir permissão para ser aceito dentro de um grupo. Então por que o homossexual precisa? É um absurdo! Cada um vive o que quer e ponto. Os psicólogos devem ajudar o homossexual a entender o porquê de sua escolha sexual. Não concordo quando dizem que o homossexual já nasce assim ou que é simplesmente uma opção. Tudo na vida de uma pessoa tem que ser entendido.

Mas o fato de o homossexual entender o porquê da sua escolha sexual não pode contribuir para que ele repense e tente mudar sua forma de ser?
Não. Essa forma de pensar, aliás, é preconceituosa. A terapia é o encontro que você realiza com seu interior, com suas questões mais íntimas. Ela serve para clarear causa e consequência. E, assim, você passa a ter total domínio sobre sua própria vida.

Que impactos psicológicos e sociais as agressões preconceituosas, tanto física quanto moral, podem causar em um homossexual?
É muita coisa. Preciso me controlar para não me emocionar. As agressões causam impacto na autoimagem do homossexual, deturpam sua personalidade. Às vezes nem a terapia é capaz de reverter tais impactos. O agredido busca o isolamento e se torna alvo de “chacota”. O que eu mais recebo em consultório são homossexuais que foram fisicamente agredidos. Isso gera na pessoa uma depressão terrível. Ela pode passar a se autoagredir.

Como os psicólogos podem auxiliar os familiares de um homossexual que são contrários à homossexualidade?
É complicado! É incrível como o ser humano adora ser preconceituoso. A Psicologia orienta no sentido de que não interessa a opinião da pessoa, afinal trata-se de um ser humano. O problema é que o ser humano vai muito atrás do que é socialmente aceito. Tem casos em que pessoas se envergonham de ter um homossexual na família e
acabam não se preocupando em como ele está se sentindo. A nossa área orienta os familiares a viver com essa pessoa, “afofando” sua vida, em vez de trazer mais agressões, dúvidas e problemas. Afinal, o amor entre familiares deve ser incondicional.

Enquanto psicóloga, como a senhora visualiza a aceitação da sociedade brasileira atual quanto à diversidade sexual?
Está muito melhor hoje em dia. Mas é hipocrisia falarmos em aceitação. As pessoas estão cada vez mais articuladas, então não tapam mais o sol com a peneira. E não me refiro apenas à diversidade sexual. A sociedade brasileira atual é tão rudimentar que impõe preconceitos até a pessoas que usam barba ou que tem uma tatuagem. É o cúmulo!

E a religião? Influencia nessa reprovação à diversidade sexual?
Com certeza. Quanto mais religioso é um determinado grupo, menor será a aceitação dele para com homossexuais. E isso é extremamente maléfico ao homossexual que, não raramente, é espiritualizado. Ele entra numa espécie de luta interna. Ainda mais se parentes e amigos dizem que a homossexualidade é algo “do diabo”. Para que dizer isso? Ele já está em um autoconflito! A religião deveria ser algo acolhedor e reconfortante para a família. E não um meio utilizado para determinar a escolha de cada um.

Como a senhora avalia a propagação na mídia de estereótipos relativos aos homossexuais, por meio de novelas e programas humorísticos, por exemplo?
Horrível. Isso só piora, pois não é feita uma conscientização de que o personagem é um ser humano. Mas, um homossexual. E só. Isso é uma discriminação e ninguém percebe. Não consigo entender como os homossexuais permitem que isso aconteça. Nas novelas, principalmente, eles são retratados como cachorrinhos de estimação que você deve aceitar e gostar, pura e simplesmente, por ele ser homossexual. A opção sexual da pessoa não pode definir se você deve gostar ou não dela. A novela discrimina o homossexual de forma velada.
Muitas vezes o ator nem é homossexual. Isso é ridículo! É como se aquilo fosse um mero teatro. Mas não é. Aquilo é vida real. Que ponham ao menos um ator homossexual no papel. A homossexualidade não pode ser tratada como um espetáculo dentro da novela. Deveria ser um processo natural. O pior é quando lançam aquelas enquetes perguntando se os dois gays da novela devem ou não ficar juntos no final. Isso é de uma discriminação absurda! Está sendo passado que nós temos o poder de decidir o futuro dos homossexuais.

A criminalização da homofobia seria uma medida coerente a ser tomada na tentativa de conter os casos de preconceitos e agressões contra o homossexual?
Isso é muito relativo. Se você pune, você gera mais agressão velada, escondida. No cinema, um homossexual pode ser agredido, repentinamente, com uma facada. Em uma rua escura ele pode ser apedrejado. Por outro lado, se não há punição, a agressão fica escancarada. É uma questão muito complicada, não sou capaz de decidir sobre isso. Há muito a ser estudado, não só por parte da Psicologia, mas por toda a sociedade.
Eu acredito que a punição deve ser feita não pelo agredido ser um homossexual, mas por ele ser um ser humano. Toda forma de agressão deve ser punida de alguma maneira.



domingo, 6 de novembro de 2011

Querer você

Eu quero olhar seus olhos e dizer que você representa o mundo para mim. Eu quero andar de mãos dadas com você no meio da multidão e fingir que não há ninguém em volta. Eu quero lhe pegar no colo, lhe jogar na cama e lhe amar profundamente. Eu quero que você se encoste em meu peito para que eu faça um cafuné nesse seu cabelo cheiroso. Eu quero tomar banho com você e deixar a água escorrer pelo nosso corpo enquanto nos beijamos. Eu quero ir ao cinema com você sem sequer saber o nome do filme. Eu quero conhecer sua família, adentrar seu cotidiano, e respirar do mesmo ar de que você sobrevive. Eu quero cozinhar para você enquanto você aguarda no sofá assistindo a algum programa de televisão típico de domingo. Eu quero chegar do trabalho cansado, deitar em nossa cama e esperar por uma boa massagem. Eu quero jogar pétalas de rosa vermelha pela casa, comprar um bom vinho e deixar que a noite nos guie ao prazer. Eu quero correr atrás de você pelas ruas de São Paulo e te agarrar pela cintura, como se fôssemos eternos namorados. Eu quero ir ao karaokê e cantar desafinadamente aquela nossa música. Eu quero rir sem parar de algum motivo bobo que só nós tenhamos conhecimento da graça. Eu quero que você me deixe lhe amar, e eu quero que você ame a mim. Eu quero você.

Enquanto muitos pensam que isso é utopia, eu penso que isso é amor. E amor, meus caros, é a realidade que move minha vida.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cozinhando, cozinhando...

Paciência é virtude?

Eu já fui paciente e impaciente. Só um parêntese: esse blog pertence a um tal de Maurício, então o assunto é, provavelmente, sobre amores e desamores. Pensem assim e a condução da leitura será de fácil compreensão.

Eu já fui paciente e impaciente. Já me atirei de cara, com apenas alguns dias de conhecimento, e já esperei tempo demais para agir. Nenhum dos dois casos deu certo.

Isso aconteceu porque cada situação clamou por uma maneira de agir. E eu, talvez por conta da minha imaturidade e falta de experiência, ainda não sabia definir qual era o momento certo para agir, e qual o momento certo para esperar.

Ultimamente, tenho sido paciente, e já estou impaciente com minha forma de agir. Quero me atirar, me entregar, gritar aos sete mares. Mas tem uma pontinha dentro de mim que me permite ficar com os pés no chão. Tal pontinha chama-se passado. O passado já me provou por A+B que "quem tem pressa come cru". E por mais apaixonado que eu seja pela culinária japonesa, está na hora de cozinhar as coisas. Está na hora de comer algo "no ponto".

Talvez eu deva cozinhar minha forma de agir. O tempero, contrariando os culinaristas, vem com o tempo, se coloca depois. O que eu ainda preciso é saber cozinhar. Meu erro é sempre querer colocar o tempero na coisa crua. E comparando relacionamento com comida, sabemos que quando se está cru, não há tempero que pegue no alimento. Mas também não posso esperar demais e deixar a coisa torrar, senão nem o tempero irá tirar o sabor de carvão, amargo e cruel.

Afinal, paciência é virtude? Depende da forma que se cozinha.

sábado, 29 de outubro de 2011

A gente nem se conhecia...

Você estava tão sozinho naquele seu mundo circulado por todos os seus amigos. Você estava naquele seu cantinho, carente, precisando de mim. E a gente nem se conhecia. Uma brincadeira aqui, uma troca de olhares ali, mas você se perdeu na multidão da noite vazia. Eu buscava seu olhar e você, o meu. Mas eles não se encontravam. Demorou uma hora de eternidade para o reencontro acontecer. Foi tiro e queda. Você veio em direção à minha boca. Eu apertava seu quadril, você mordia meu pescoço. Nosso suor já se misturava e nossas roupas não impediam nossos toques íntimos. Mil pessoas a nossa volta, e só nós dois estávamos naquele ambiente. De novo, repito: a gente nem se conhecia. Creio ter sido paixão à primeira vista, embora não acredite muito nessas bobagens. Mas só de lembrar da sua cara de "sexo", eu fico louco. Meu coração dispara, e todos os meus órgãos entram em sintonia, guiados por uma música bem alta, que ensurdece o meu sentir. É, você me fez levitar, como nunca ninguém fez. Foi uma semana de muita paixão, uma única semana que será eterna em mim. Lembro dos seus lábios tocando suavemente minha orelha, enquanto minha mão massageava seu sexo. No cinema, parecíamos namorados... e a gente nem se conhecia. Você colocava o chocolate na minha boca, e eu mordia, até alcançar seu dedo. Eu pegava em sua mão e deixava você sentir tudo aquilo o que eu era, tudo aquilo o que eu queria ser. Eu abri minha história para você, e você me contou detalhes sórdidos da sua... e a gente nem se conhecia. O celular parecia estar no automático, mais de 100 mensagens trocadas por dia. Eu só queria saber se você estava bem, e você queria saber se eu era o homem certo. Você me testou, me questionou e, ao meu ver, fui bem em todas as respostas. Tinha tudo para dar certo... mas a gente nem se conhecia.

O dia em que te conheci, acabou. Na verdade, era tudo fantasia. Sua máscara caiu e, por mais que você a tenha colocado de volta no rosto, nela havia uma rachadura que não me permitiu te reconhecer como fantasia, mas como ser humano. E você, sinceramente, é muito melhor de fantasia do que de ser humano. Sugestão: compre uma nova máscara!

sábado, 10 de setembro de 2011

O chá de bebê

Era sábado, 9h30, e eu estava com sono. Havia dormido em torno de 4 horas, durante as quais acordei várias vezes por conta do frio. O peso sobre meus olhos não impediu minhas pernas de se levantarem e marcharem rumo à estação de metrô Vila Madalena. Cambaleante, seguia na calçada, em lenta marcha, ao meu verdadeiro objetivo: a tranquilidade de minha casa. Mas, como todo filósofo de bar sabe, para se alcançar a tranquilidade deve-se passar por derradeiros maremotos do cotidiano que embaralham nossa consciência como um verdadeiro jogo de cartas. Truco! Seis, ladrão!

Eu estava ainda de jejum, então comprei uma água de coco, dessas de caixinha, na padaria antes mesmo de entrar no metrô. Um cigarro fez companhia ao ato de beber. E embarquei. A primeira meta era chegar à estação de metrô Terminal Sacomã para, posteriormente, seguir o meu trajeto. A viagem de metrô, que durou cerca de 25 minutos, foi bastante agradável. Rachel de Queiroz me fez crer em discos voadores e em extraterrestres e Graciliano Ramos me provou, por a mais b, que milagres existem. Nada mais natural, pois para me fazer acreditar em seres extraterrestres foi necessário um milagre gracilianesco!

Ao desembarcar no Terminal Sacomã, percebi que o néctar das crônicas lidas me foi benéfico e verdadeiro estimulante. Por mais que as olheiras anunciassem minha necessidade de uma cama, eu estava atento a (quase) tudo que ocorria à minha volta. Maldita ilusão de que a atenção aos detalhes do cotidiano é virtude! Pois, ao continuar meu caminho e embarcar no ônibus que me levaria ao ponto final de meu anseio, começou o maremoto. E a falta de atenção teria transformado o maremoto em apenas uma "marolinha".

Sentei-me à desconfortável poltrona do 5034-10 Vila Liviero. Em alto e bom tom, grito: ônibus dos infernos! O estofamento das poltronas é, por vezes, rasgado e riscado; o chão está sempre sujo pela falta de cidadania alheia; os passageiros escutam música sem a utilização de fones de ouvido e conversam (ok, gritam) como se estivessem em suas próprias casas; o motorista é, em 99% dos casos, apressado e não se importa com o bem estar dos passageiros. Nessa viagem, minha atenção pode constatar que, além de não se importar com os passageiros, o motorista não dá muito valor aos pedestres.

O princípio do maremoto.

É paradoxalmente incrível como o sono nos desperta. Porque sabemos que, em qualquer vacilo, os cílios superiores dão um jeito de se encontrarem com os inferiores. E aí, meu amigo, não há quem os separe. Portanto, pretendi permanecê-los bem distantes uns dos outros. Não havia nenhum obstáculo à frente da minha vista, afinal eu estava sentado na poltrona do lado direito à do motorista. O grande parabrisa do ônibus também facilitou minha visualização das ruas pelas quais circulávamos e dos pedestres pelos quais passávamos. Minha atenção, além de estar em plena forma, ganhou amigos que a deixaram 100% operante.

Atrás de mim, duas senhoras. Ainda nos seus 40 e tantos anos, mas nomeio-as de "senhoras" pela aparência maltratada e literalmente envelhecida. Conversavam sobre a dureza do trabalho diário e, à afirmativa de uma delas "mas o meu trabalho é mais pesado que o seu", a outra tergiversou, e tudo isso ao som de um funk bem escroto do garoto-que-não-conhece-fone-de-ouvidos sentado um pouco mais atrás. Esse seria um modelo bem interessante para o Diabo utilizar na penitência de seus convidados. Portanto, preferi continuar com meus olhos voltados à pista, mesmo que, invariavelmente, minha mente já estivesse confusa com tanta informação que vinha até meus ouvidos.

O motorista estava bem rápido. Por mais que o velocímetro registrasse aproximadamente 50km/h - confesso que desviei meu olhar, um pouco estreito, ao painel do ônibus - a impressão era a de que o ônibus trepidava ao dobro do que estava marcado. O motorista já era velho. Grisalho, gordo, e estava com sono! Era visível em seu rosto um cansaço anormal. E, como eu disse anteriormente, é melhor não juntar os cílios superiores aos inferiores, senão... maremoto! O motorista atropelou um pedestre e minha atenção presenciou o incidente de forma bem crua. Não discutirei aqui se o pedestre se machucou ou se a batida foi muito intensa. O que realmente importa é o chá de bebê!

No ato da pancada, o motorista parou o ônibus e desceu para verificar o estado do atropelado - admirei a atitude do motorista que, embora previsível no que diz respeito a conceitos, na prática sabemos que é raro. Minha atenção teve de se desdobrar. Aspirante à jornalista, fiquei observando da janela o suposto acidentado e o suposto causador do acidente. Mas meus ouvidos, ah! meus ouvidos também estavam bastante atentos. E, para sorte dessa minha pequena arte aqui exposta e azar de meus ouvidos - pobres coitados! -, engoli a seco o testemunho gritado de uma das senhoras que se sentava atrás de mim, referindo-se ao ato do motorista de parar o ônibus e socorrer o acidentado: "Pelo amor de Deus, pra quê parar o ônibus? Ai, meu Jesus, já estou atrasada para um chá de bebê. Anda logo, motorista!"

O motorista andou logo. Em menos de 2 minutos constatou que o acidentado passava bem. Então, voltou ao ônibus e seguiu viagem. O funk continuou a dar tom às trepidações do ônibus. A senhora-que-grita-em-transportes-públicos teve um atraso de menos de 2 minutos (somados aos minutos que ela já estava atrasada) para o seu chá de bebê. O acidente poderia ter atrasado toda uma vida de uma pessoa alheia à vida dela.

Um brinde ao bebê que ganhará vida, um brinde à vida que não teve atrasos, um brinde aos 2 minutos de maremoto da senhora atrasada.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Algumas doses de mar

Sabe a lua? Ela faz com que as ondas do mar se agitem e se percam entre si quando se diz cheia.

Sorte do tubarão, que em sã consciência - e forte estrutura física - captura os frágeis peixes ludibriados pela astrologia. A maré sobe e as águas marinhas metamorfoseiam-se em uma louca festa. É água sobre água, que já não se sabe o quanto de sal em cada litro restou.

Mas a lua... Ah, sim, a lua! Eterna amaldiçoadora. Há milênios - quiçá, bilênios! - amaldiçoa o mar que, em sua compania, amaldiçoa a todos nós, humanos, com o amor.

Sorte do tubarão-humano, que em sã consciência - e pouca sensibilidade - captura os frágeis peixes-humanos ludibriados pela eterna promessa de amor. O tesão sobe e as palavras ditas metamorfoseiam-se em água, em sal, em nada. É decepção sobre decepção, que já não se sabe o quanto de amor em cada dose de mar restou.